segunda-feira, fevereiro 18, 2008

O POETA E A ROSA


E com direito a passarinho


Ao ver uma rosa branca

O poeta disse: Que linda!

Cantarei sua beleza

Como ninguém nunca ainda!


Qual não é sua surpresa

Ao ver, à sua oração

A rosa branca ir ficando

Rubra de indignação.


É que a rosa, além de branca

(Diga-se isso a bem da rosa...)

Era da espécie mais franca

E da seiva mais raivosa


- Que foi? – Balbucia o poeta.

E a rosa: - Calhorda que és!

Pára de olhar para cima!

Mira o que tens a teus pés!


E o poeta vê uma criança

Suja, esquálida, andrajosa

Comendo um torrão da terra

Que dera existência à rosa.


- São milhões! - a rosa berra

Milhões a morrer de fome

E tu, na tua vaidade

Querendo usar do meu nome!...


E num acesso de ira

Arranca as pétalas, lança-as

Fora, como dar comida

A todas essas crianças


O poeta baixa a cabeça

- É aqui que a rosa respira...

Geme o vento. Morre a rosa.

E um passarinho que ouvira


Quietinho toda a disputa

Tira do galho uma reta

E a inda faz um cocozinho

Na cabeça do poeta.



Vinicius de Moraes